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Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo

Universidade de Colonia 

ANAIS BRASIL-EUROPA

ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA EM CONTEXTOS GLOBAIS

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Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo, professor de Etnomusicologia do Instituto Musical de São Paulo de 1972 a 1979, Professor do Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, Alemanha.

UMBANDA NA ETNOMUSICOLOGIA




FACULDADE DE MÚSICA E EDUCAÇÃO MUSICAL DO
INSTITUTO MUSICAL DE SÃO PAULO




RECAPITULANDO ESTUDOS DE

IRVANY BEDAQUE FRIAS

MARIA CECÍLIA PEREIRA





1973


Publicação para estudantes de Etnomusicologia do Instituto Musical de São Paulo, 1972

Umbanda na Etnomusicologia em São Paulo - Significado dos estudos - Antecedentes - Visão de dentro: umbanda como ciência e religião - Música na Umbanda: Pontos



A Umbanda, assim como o Candomblé, Xangô e outras práticas e tradições religiosas relacionadas com concepções e culto de orixás constituiram objeto de especial atenção nos cursos de Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo entre 1972 e 1974. Os trabalhos desenvolvidos por vários estudantes possibilitaram a realização do primeiro encontro em nível superior dedicado à músicas essas práticas religiosas com a representação de atos cerimoniais. Esses trabalhos foram acompanhados por aulas expositivas concernentes ao conceito e concepções de sincretismo. 


Significado dos estudos


A recapitulação de alguns dos estudos e trabalhos então realizados e do seu contexto é necessária pelo fato de terem marcado desenvolvimentos na pesquisa cultural, musicológica e de religiões em âmbito internacional a partir de 1975. Foram retomadas e aprofundadas, sendo tratadas em diferentes ocasiões, em seminários, colóquios, conferências, aulas e publicações. Considerar esse desenvolvimento é uma exigência para a própria história da pesquisa.


A razão da consideração da Umbanda em cursos de Licenciatura em Educação Musical decorreu da orientação dada à Etnomusicologia no Instituto Musical de São Paulo. Esta procurava oferecer subsídios e aguçar a sensibilidade dos futuros educadores ao contexto de sua atuação em escolas que se situavam em muitos casos em bairros de configuração sócio-econômica mais modesta ou marcados pela imigrantes de diferentes proveniências e por migrantes de outras regiões do Brasil. Muitos dos alunos dessas escolas provinham de famílias que frequentavam centros de umbanda e os educadores deveriam ter condições para considerar adequadamente os seus condicionamentos culturais. 


Além do mais, vários docentes e estudantes, futuros professores ou já atuantes no ensino, eram frequentadores ou mesmo iniciados. Foram justamente esses estudantes que, pelos conhecimentos internos e a vivência desses cultos desenvolveram trabalhos de pesquisas para encerramento do curso de Etnomusicologia. 


Antecedentes


Esses trabalhos, assim como as aulas expositivas, podiam contar com observações e estudos de longa data. Desde fins da década de 1950, muitos músicos e professores de música, inclusive personalidades de renome nos meios artísticos e provenientes de meios mais favorecidos da sociedade frequentavam centros de Umbanda em São Paulo. 


A discussão entre umbandistas e espíritas na tradição de Alan Kardec (1804-1869) também teve repercussões nas reflexões sobre processos culturais no âmbito do movimento Nova Difusão e do seu Centro de Pesquisas em Musicologia. Considerados foram vários centros, entre êles aqueles mais marcados pelo Catolicismo como o centro espíritualista orientado segundo Kardec denominado de Sagrado Coração de Jesus em meio luso- brasileiro da Vila Santa Maria da década de 1930, de terreiros de Umbanda no centro da cidade como o então dirigido por Arlindo na Avenida Ipiranga, aqueles em bairros afastados como o de S. Dionísio em Campo Limpo, assim como centros kardecistas nos mais diversos contextos sócio-culturais em bairros como Brás ou Indianópolis, além de práticas umbandistas em matas da Serra do Mar, em rios ou concentrações na Praia Grande.


No Instituto Musical de São Paulo, os estudos podiam contar com aqueles realizados por Martin Braunwieser (1901-1911) no Nordeste do Brasil no âmbito da Missão de Pesquisas de 1938, compositor de uma obra denominada de Ogum, assim como de sua esposa, Tatiana (Kipmann) nos seus elos com correntes esotéricas, tradutora de livros espiritualistas.


Umbanda, Candomblé e outras práticas foram consideradas no âmbito de estudos culturais empíricos como desenvolvidos no Museu de Artes e Tradições Populares e mencionados em cursos de Folclore, porém sempre com certas incertezas e reservas metodológicas e conceituais. Sempre houve dúvidas se essas formas de culto pertenceriam ou não a expressões culturais que poderiam ser consideradas como folclóricas. A introdução da Etnomusicologia, com outro direcionamento teórico, possibilitou a realização de estudos sem que se fizesse tais categorizações.


Visão de dentro: umbanda como ciência e religião


A pesquisadora Maria Cecília Pereira inicia a sua introdução afirmando que a umbanda é uma ciência, porque daria ao homem o conhecimento do seu papel no universo. Ela não deixa dúvidas quanto ao fato da Umbanda ser monoteísta, tendo como princípio um Deus único. Ela afirma também que a Umbanda seria uma filosofia, dizendo respeito à lógica, à moral e a tudo o que se relaciona com o mundo interior do homem e com a metafísica. A Umbanda é rica em cânticos  orações, incluindo a dança no seu ritual. Os seus cânticos, teriam efeitos no íntimo dos praticantes, transportando-os a esferas ilimitadas, penetrando em esferas fluídicas dos orixás. Ao rítmo dos alujás, dos darruns e demais toques, fazem sentir a satisfação do saber e da vivência de elos com a esfera astral. 


A Umbanda, como era praticada pela própria pesquisadora, não se apresentava como tendo apenas recebido subsídios da cultura africana e aborígene. Ela seria antes de tudo uma religião, embora apresentando acentuados aportes culturais africanos e indígenas. Ela teria raízes remotas, devendo ser estudada nas suas inserções em correntes que levam à Antiguidade e, por último, ao Egito. 


Música na Umbanda - Pontos


Nos seu trabalho, a pesquisadora, com base em gravações, comenta o papel da música nos seguintes cantos: Saudação a Oxalá; Salve a pemba; Saudação a Oxoce; Saudação a Ogum; Saudação a Xang^ô; Saudação a Inhaçã; Saudação a Iemanjá, Saudação a Oxum, Saudaçnao aos Ibeji; Saudação aos pretos velhos; Saudação a Rei Panaiá; Saudação ao caboclo rompe mato. Trata também dos quindins, de vários cantos sobre Oxum e do Canto de Xangô-Seu Ariri.


Nas exposições sobre a bertura e encerramento de sessões, considera com atenção os cantos entoados. Em um canto de entrada principal da casa devia ser feita a tronqueira, ponto de segurança dos trabalhos. Em seguida, cantar-se-ia os pontos de Ogum. Segue-se a defumação, cantando-se os pontos para o ato. 


Entre os pontos considerados, tratou-se daqueles que evidenciam mais explicitamente relações com o Rosário de Nossa Senhora ou com temas populares como o do Lampião da Bahia. Descreve a sequência de atos, das preces e do canto dos pontos que salvam os orixás. Segundo a sua própria vivência, relatou como os participantes se ajoelham e fazem uma prece de firmeza, cumprimentando a Mãe Pequena ou Jabonã, o Chefe de Terreiro (Babalao, Talorixá). Se houver atabaques, também estes seriam cumprimentados. Dependendo do dia, cantar-se-iam os pontos de linha, de caboclos ou pretos velhos. 


A pesquisadora transcreveu e comentu vários pontos de chamada de caboclos, da saudação do rei Panaiá, dos Caboclos do Sol e da Lua; do Caboclo Pedra Branca, do Caboclo Serra Negra, do Caboclo Samacutara, do Caboclo Araribóia, do Caboclo Ararijára, do Caboclo Vira mundo, do Ponto do Caboclo Javary, do Caboclo Urubatão, de Xangô, da Beijada, das Almas, o Ponto de São Miguel, o de Ponto de São João Batista, o de São Gabriel, o de Oxóce da Guia, o de São Jorge, o Ponto das Sereias, o Ponto das Ondinas, o Ponto de Tarimá, o Ponto de Timbiri, o Pedra rolou, o Ponto de Santa Bárbara, o de Oxoce caçador, o Ogum venceu a guerra, o Ponto dos Tamoios, o Ponto de Maria Mina, o Ponto de Tia Maria de Minas, o Ponto do Povo de Congo, o Ponto de João Bangulê, o Ponto de vovó Luiza, o Ponto de Tia Rosa da Bahia, o Ponto de Santa Maria, o Ponto de Gangazumá, o Ponto da Virgem da Conceição.


(….)