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Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo

Universidade de Colonia 

ANAIS BRASIL-EUROPA

ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA EM CONTEXTOS GLOBAIS

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Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo, professor de Etnomusicologia do Instituto Musical de São Paulo de 1972 a 1979, Professor do Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, Alemanha.

RÍTMICA E RÍTMOS NA ETNOMUSICOLOGIA
PESQUISA E EDUCAÇÃO MUSICAL


ETNOMUSICOLOGIA URBANA 


FACULDADE DE MÚSICA E EDUCAÇÃO MUSICAL DO
INSTITUTO MUSICAL DE SÃO PAULO


RECAPITULANDO ESTUDOS DE

MARIA PENALVA



1973


Publicação para estudantes de Etnomusicologia do Instituto Musical de São Paulo, 1972

Rítmica na Educação Musical e Pesquisa de Rítmos na Etnomusicologia - Significado do rítmo para estudos culturais - Problemática do rítmo na formação de educadores - Problemática da prática de bandinhas rítmicas - Antecedentes: Pedagogia Musical e Musicologia - Recapitulações e revisões de concepções - Educação Rítmica em perspectiva etnomusicológica



Rítmica e a Pesquisa de Rítmos foi tema tratado com particular atenção em cursos da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo na década de 1970. Foi considerado sob diversos aspectos sobretudo nas áreas de Estética e Etnomusicologia, no treinamento de educadores em cursos de Percepção e, sob aspecto sistemático-comparativo e analítico, na área da Estruturação. 


Esses estudos foram conduzidos no âmbito da Licenciatura em Educação Musical, estando assim primordialmente a serviço da formação de educadores. Estes deviam adquirir conhecimentos e aptidões que os auxiliassem na prática educativa e nas suas atuações na vida de instituições escolares, conduzindo-as de modo adequado aos contextos sociais e culturais de seus educandos. Deviam ter a sensibilidade aguçada para perceber e valorizar expressões culturais de crianças e jovens nos seus pressupostos e inserções em tradições e processos de mudanças culturais em situações marcadas por diversidade étnico-cultural na metrópole.


Muitos dos estudantes já atuavam há anos em escolas, tendo sido formados segundo conceitos, ideais e práticas do antigo Canto Orfeônico. Tinham experimentado a insuficiência de práticas de educação ritímica na tradição orfeônica, sob muitos aspectos muito mais rudimentares sob o aspecto rítmico do que aquelas dos educandos. O tratamento do rítmo nos cursos de Licenciatura devia corresponder à revisão de perspectivas e práticas do antigo Canto Orfeônico. Ponto de partida para os estudos foi o da leitura de textos referentes à Rítmica e a consideração de concepções teóricas no contexto de seus autores e épocas. 


Significado do rítmo para estudos culturais 


O significado do estudo do rítmo é evidente em país conhecido pelos rítmos de sua música popular, pelo samba e suas escolas de samba, com as suas baterias que determinam o seu desfilar ritmado, pelos batuques e outras expressões tradicionais, pelas batucadas praticadas nos mais diversos contextos, por vezes durante horas por estudantes nas universidades, nos bares e pontos de encontro, pelos rítmos da capoeira, pelo gingar ritmado no andar de muitos homens e mulheres.


O estudo do rítmo impõe-se com uma exigência dos estudos musicais, sobretudo naqueles de orientação cultural. Pesquisadores de diferentes áreas de estudos dedicaram há muito estudos sobre o rítmo. O rítmo é tratado em muitos textos e publicações. Na formação de músicos e professores de música, a sua consideração sempre foi reconhecida como básica, tratado como um dos elementos da música em compêndios e cursos de rudimentos ou de teoria musical elementar. Essa consideração, porém, permaneceu em geral primária, não correspondendo ao significado do rítmo para o estudo da cultura musical do Brasil. 


Nos estudos empíricos, tratou-se em vários estudos do rítmo em expressões tradicionais, da música em danças e folguedos, dos diferentes instrumentos que nela ocorrem, mas as potencialidades do tema não foram esgotadas. Já o estudo dos toques em cultos da tradição popular confronta-se com dimensões de sentidos, funções e efeitos que ultrapassam análises musicais convencionais. Ultrapassam quanto a dimensões os sentidos superficiais de uma leitura literal do grafado.


Essa constatação trouxe à consciência de pesquisadores que um tratamento mais aprofundado do rítmo nas suas dimensões e abrangência tornava-se necessário. Para isso, porém, devia-se proceder primeiramente a um treinamento daqueles que realizam observações e estudos. 


Problemática do rítmo na formação de educadores


Aqueles estudantes de Licenciatura em Educação Musical que tinham passado pelo ensino de ditado e solfejo em conservatórios tinham em geral recebido uma formação que não os habilitava a perceber e anotar melodias e rítmos, nem muito menos realizá-los na prática e agir ritmicamente, a não ser que tivesse aptidões pessoais ou desenvolvidas no seu meio de vida. Educadores assim formados não tinham o preparo adequado para a condução de atividades musicais e lúdicas nas escolas à altura das aptidões rítmicas em muitos casos extraordinárias de seus alunos. Em cursos de formação de professores em Canto Orfeônico, o rítmo, como em geral nos conservatórios, era teórico e rudimentar, e assim passava a ser transmitido em aulas de música nos ginásios. 


Problemátida da prática de bandinhas rítmicas 


Uma das práticas concernentes ao rítmo mais difundidas no Canto Orfeônico era o das bandinhas rítmicas. Vários músicos e compositores dedicaram-se à criação de peças para esses conjuntos. Os educadores aprendiam durante o seu estudo a elaboração de composições ou arranjos para instrumentos de percussão, com ou sem partes vocais. Essas elaborações puderam ser em grande número levantadas e analisadas. Essas bandinhas rítmicas não podiam nem de longe corresponder às qualidades rítmicas da música nas suas diferentes expressões no Brasil. Eram inócuas e até mesmo ridículas em eventos escolares perante as batucadas exercidas espontaneamente em horas de recreio pelos alunos.


O aprendizado e o treinamento rítmico procedia-se fora de instituições de ensino, na participação ativa, na prática e no convívio. 


Antecedentes - Pedagogia Musical e Musicologia


O problema do rítmo na formação de músicos e professores de música ganhou em atualidade na década de 1960 em círculos que passaram a reconhecer a necessidade de renovação de perspectivas e procedimentos nos estudos musicais. Foi tematizado e discutido na área da Pedagogia Musical já em 1965/6, matéria complementar de cursos em conservatórios. Nelas considerou-se que a preocupação pela formação rítmica nas suas bases e dimensões mais abrangentes não era recente. 


Aspectos gerais e filosóficos do ritmo tinham sido tratadas em léxicos e publicações várias, correntes de pensamento e de prática na Europa tinham sido recebidas no Brasil e dado impulsos a desenvolvimentos, à criação de cursos, em geral na área de dança e da ginástica. A consideração dessas correntes nas suas inserções em processos históricos em relações internacionais tornou-se um objetivo do movimento que preconizava um redirecionamento da atenção dos estudos musicais a processos superadores de um modo de pensar em compartimentos, em esferas e áreas. 


A consideração de processos em que se inseriam correntes do pensamento pedagógico-musical concernentes ao rítmo foi um dos objetivos do Centro de Pesquisa em Musicologia do movimento Nova Difusão. Várias foram as correntes do pensamento e da prática consideradas. 


Uma particular atenção foi dirigida à teoria rítmica que, desenvolvida no século XIX em Solesmes, na França, passava a despertar o interesse de meios musicais e da  pesquisa musicológica no Brasil. Originada no âmbito de estudos do canto medieval em meio eclesiástico no século do Historismo e da Restauração, a teoria rítmica tornou-se fundamento de um método de ensino ou formação musical, o método Ward, Esse método passou a ser discutido na quanto à sua adequação ao Brasil em cursos internacionais e em curso de formação de professores em iniciação musical no âmbito do Centro de Pesquisas em Musicologia. Essa discussão dizia respeito aos fundamentos de concepções rítmicas que eram elas próprias inseridas elas próprias em processos histórico-culturais - no caso aqueles do século XIX - , assim como à sua compatibilidade com a realidade cultural do Brasil.


Discutido passou a ser também o treinamento rítmico de educadores. Na época, esse treinamento, na procura de renovação de antigas práticas de solfejo e ditado, passara a ser conduzido a partir do livro de treinamento de músicos de Paul Hindemith, então amplamente difundido no Brasil em versão inglesa e em português (Elementary training for musicians). Esse treinamento, marcado pela abstração, independente de contextos e inserções culturais, embora empregado em cursos de Percepção, passou a ser questionado em aulas de Etnomusicologia.


Ponto de partida: recapitulações e revisões de posições


Maria de Almeida Penalva, que já possuía experiência na área da educação rítmica, em particular também da ginástica rítmica, apresentou em 1973 uma súmula de posições e perspectivas de diferentes autores como ponto de partida para as discussões.


A pesquisadora dividiu o seu estudo em duas partes. Na primeira, trata do rítmo em geral sob diversos aspectos, na segunda, dedicou-se à Educação Rítmica. 


De início, considera que a percepção consciente do rítmo nas suas diferentes acepções pressupõe faculdades próprias do homem.  O rítmo é percebido sobretudo através da música, onde se apresenta como ordem e proporção no movimento, no espaço e no tempo. Baseia-se aqui na literatura, referindo-se a colocações de músicos, entre outros Vincent d’Indy (1851-1931).  O rítmo tem porém dimensões globais, embora em diferentes formas, mencionando colocações de pensadores que nele veem um princípio fundamental da Criação: em lugar de „No princípio era o Verbo“, poder-se-ia dizer „No princípio era o rítmo“. 


O homem estaria inserido num meio envolvente marcado pelo rítmo. Os fenômenos naturais apresentam periodicidade ou alternância. Haveria no cosmos rítmo sideral, na física sob diferentes aspectos, em movimentos e em vibrações. Aos educadores interessrim sobretudo os rítmos biológicos  e psico-fisiológicos, uma vez que comandam mecanismos vitais, mas também atuam no pensamento e em comportamentos, estabelecendo periodicidades e proporcionalidades.  


Rítmo pode ser considerado na vida vegetal, em migrações de aves e animais, em correntes elétricas no encéfalo, na nutrição e digestão, onde há periodicidade e proporção no tempo em que se processam. Gestos e mímica são governados pelo rítmo de movimentos, assim como o equilíbrio e a postura. 


Rítmo que excita movimentos leva o indíviduo a suplantar a fadiga e vencer os obstáculos, como se pode constatar em esportes. Um corredor que no seu treinamento tenha encontrado o seu próprio rítmo, compete e pode suplantar concorrentes, não dispendendo tanto esforço e fadiga. Todo trabalho é difícil e cansativa no início, mas à medida que é aprendido, torna-se mais fácil e rápido graças a seu próprio rítmo. Do ponto de vista coletivo, o rítmo é de importância e.o. para os soldados de uma companhia ou para os alunos de uma classe, para os músicos de uma orquestra. O rítmo pode ser constatado na arquitetura, na disposição e nas proporções, o que exige procedimentos racionais e a visão do artista.  


Grande parte das argumentações da pesquisadora foram dedicadas a diferenciações entre rítmo e métrica, assim como rítmo e tempo. O rítmo pode até mesmo englobar vários compassos e será o ouvido que percebe o que não pode ser visto na grafia. Depende do tempo, da vitalidade de reações psico-motoras, mas não deve ser com êle confundido. Cada pessoa tem o seu próprio tempo, que se manifesta na locomoção, na respiração e mesmo no pensar, e que pode tornar-se mais lento com a idade. Através da Educação Rítmica tornar-se-ia possível modificá-lo sem que este seja alterado substancialmente. O objetivo dessa educação seria levar o homem ao encontro de sua melhor forma física e intelectual.


Educação Rítmica em perspectiva etnomusicológica


No capítulo dedicado à Educação Rítmica, a pesquisadora considera sobretudo Émile Jacques-Dalcroze (1865-1950) para salientar a importância do rítmo na Pedagogia e para o desenvolvimento da personalidade do educando. Cada indívidup apresenta um tempo diferente para as diversas funções, o que depende da rapidez de reações psíco-motoras, podendo ser isso verificado no tamborilar de dedos sobre uma mesa. A intervenção que quebra o rítmo do indivíduo é danosa e causa desequilíbrios. A criança é cedo submetida a um regime acelerado que as obriga a memorizar noções sem que as suas faculdades possa compreendê-las em tempo próprio. Este é um problema que se coloca na formação mental e intelectiva dos alunos. O indivíduo chega à maturidade por assim dizer sem seguir um desenvolvimento natural. 


Uma educação que considera faculdades e possibilidades, que procede lentamente é voltada a um aperfeiçoamento gradativo de faculdades naturais. A pesquisadora preconiza o ensino da música desde a mais tenra idade para que a criança aprenda a integrar o rítmo do meio que a envolve naquele que lhe é próprio, sem ter a preocupação de prepará-la para um futuro artístico. Também o ensino do desenho leva os alunos a traduzir os rítmos do que vêem em interpretação pessoal, relacionando o auditivo com o visual. 


O rítmo em expressões visuais podem ser já constatados na arte pré-histórica, no movimento de animais desenhados em paredes de grutas. A educação física promove o equilíbrio pelo rítmo dos exercícios e também aqui, como na música, o seu objetivo não deveria ser a promoção do espírito competitivo, de alcance de prêmios em concursos, nocivo ao desenvolvimento natural, harmônico da criança. 


Segundo a pesquisadora, as culturas orientais que, orientando-se por outras concepções e valores,  menos superficiais, poderiam dar impulsos às reflexões concernentes ao rítmo e à educação rítmica.


Essa observação final da pesquisadora motivou a consideração do rítmo em diversos contextos culturais do Oriente e de outras regiões do globo na área da Etnomusicologia, assim como às suas extensões e modificações em grupos de imigrantes no Brasil.


(…)