Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo
Universidade de Colonia
ANAIS BRASIL-EUROPA
ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA EM CONTEXTOS GLOBAIS
INSTITUTO MUSICAL DE SÃO PAULO
FACULDADE DE MÚSICA E EDUCAÇÃO MUSICAL
RECAPITULANDO PESQUISA DE
BARNABÉ ÁVILA
1973/4
Pregões na Etnomusicologia em São Paulo - Antecedentes - Etnomusicologia urbana - Pregões de feiras de. São Paulo - Aspectos das análises -
Pregões foi um dos aspectos dos temas sonoridades de ruas e cultura do quotidiano tratados na matéria Etnomusicologia em cursos de de Licenciatura da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo nos anos de 1972 a 1974.
Antecedentes
O tema não era recente nos estudos culturais empíricos. Anúncios feitos em público em voz alta ou entoada para a divulgação e promoção de mercadorias, para a apregoação de suas qualidades, para a atração de compradores e assim para o fomento de vendas, assim como anúncios ou proclamações em geral tinham sido há muito objeto de atenção de folcloristas e etnógrafos. No Museu de Artes e Técnicas Populares (Museu de Folclore) da Associação Brasileira de Folclore, considerava-se, entre outros, estudo sôbre os pregões da cidade de Elvas, Portugal, publicada em Separata na Revista Ocidente, em 1954, contendo registros musicais.
O tema adquiriu atualidade no âmbito dos intentos de reorientações de estudos de Folclore de pesquisadores que passaram a defender q direcionamento da atenção a expressões espontâneas e à cultura do quotidiano, do dia-a-dia. No âmbito do movimento Nova Difusão e do seu Centro de Pesquisas em Musicologia, esse interesse por estudos da vida quotidiana passou a ser conduzido sob novas aproximações teóricas. Procurou-se uma renovação de perspectivas através da superação de um modo de pensar e proceder marcado por categorizações de esferas culturais. Essas distinções de objeto de estudos continuavam vigentes nas concepções que diferenciavam uma esfera cultural espontânea como objeto dos estudos de Folclore.
Etnomusicologia urbana
A Etnomusicologia, instituída em cursos de Licendiatura da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo, substituindo a antiga disciplina de Folclore e Etnografia do curso de Canto Orfeônico, foi marcada por essa orientação teórica que procurava superar modos de pensar em compartimentos, partindo de distinções entre uma esfera de expressões culturais dirigidas, aprendidas, controladas e promovidas pelo ensino e por outros agentes e fatores, e aquela antes informal, não dirigida ou espontânea.
O objetivo da Etnomusicologia introduzida na Licenciatura era o de fornecer aos estudantes subsídios para uma prática de ensino adequada a situações em salas de aula e eventos escolares em contextos sócio-culturais complexos que exigiam abertura de mentes e a superação de modos de ver e proceder segundo compartimentações. Os educadores deviam ser preparados para reconhecer e valorizar a diversidade cultural de seus educandos em sociedade marcada por diferentes grupos migratórios e pela ação de meios de comunicação e de interações do aprendido e do espontâneo, do formal e do informal.
Para isso, tornava-se necessário aguçar a sensibilidade dos futuros educadores para o seu meio envolvente e para valores e características da vida do quotidiano. Para além de aulas expositivas e de seminários dedicados a diferentes contextos culturais, os estudantes deviam realizar trabalhos de pesquisa empírica nos seus próprios contextos de vida e de atividades. Neste sentido, a área compreendeu-se sobretudo como sendo de Etnomusicologia Urbana.
No caso dos pregões, os estudos deviam ser ponto de partida para a consideração de meios de comunicação a coletividades no sentido amplo do termo, também de anúncios e proclamações em meio escolar. Tratando-se de pesquisa a ser conduzida a partir da música, a atenção devia ser dirigida na pesquisa e nos debates às diferenças nas falas, recitações e entoações segundo a proveniência e o condicionamento cultural de imigrantes.
Uma pesquisa de pregões em feiras de São Paulo
Um estudo dos pregões em São Paulo foi realizado pelo estudante Barnabé Ávila com base em material por êle recolhido entre feirantes, ambulantes e comerciantes de artigos diversos. Muitos deles atuavam sem permissão legal.
A pesquisa foi realizada em algumas feiras livres da capital, no centro da cidade e em algumas ruas de bairros periféricos. Foram consideradas as feiras livres de domingo do bairro do Brás, de terça-feira do bairro do Belém, de sábado do bairro da Lapa e de sexta-feira da Vila Ipojuca.
Nas suas observações preliminares, o pesquisador lembrou que, entre os feirantes, somente faziam pregões os vendedores de mercadoria perecível, como frutas, verduras e peixes. Os demais, embora houvesse concorrência, não o faziam, uma vez que não haveria tanta urgência de venda. Entre os feirantes pregoeiros, constatou uma predominância de pessoas de meia idade, estrangeiros ou descendentes de migrantes, principalmente portugueses, italianos e espanhóis. A presença de japoneses e outros imigrantes asiáticos não era tão marcante. Também menos constatada foi a atuação de mulheres na apregoação de mercadorias.
As dificuldades para a realização das entrevistas e gravações foram grandes. Essas dificuldades eram compreensíveis: em primeiro lugar, os vendedores estavam preocupados em atender os fregueses, não querendo perder tempo em entrevistas, em segundo lugar, desconfiavam que o entrevistador estivesse a serviço do controle policial ou da municipalidade.
Aspectos das análises
A grafia dos pregões ofereceu também muitas dificuldades para o pesquisador. As transcrições do material gravado puderam ser apenas aproximadas.
Pela sua natureza, os pregões são antes falas entoadas, recitações que se modificam segundo as expressões e circunstâncias, sendo que o sistema da notação musical e a linguagem tonal não se mostra adequado para fixá-los. Mesmo assim, nas suas análises, o pesquisador considerou não só a prosódia e relações entre texto e alturas, como também procurou analisar recitações e mesmo elementos melódicos. Pôde constatar alguns intervalos mais constantes, notando a frequência de intervalos de segunda maior, de terça-menor, sobretudo para os inícios, embora houvesse também exemplos de ocorrências de intervalos de terça-maior, de quarta e de quinta justas. As alturas variavam de acordo com a intensidade empregada pelos pregoeiros. Os timbres das vozes eram na maioria das vezes deformados, a pronúncia dos textos nem sempre inteligível, o que também podia ser proposital para que o pregoeiro chamasse a atenção para si próprio e sua mercadoria. Muitas vezes o texto tinha um cunho malicioso ou de pilhéria, o que se expressava também na entonação.
Pelo que o pesquisador pôde constatar ao escutar as gravações, existiria uma espécie de tonalidade básica ou condutora de cada feira. Esse fenômeno poderia ser explicado por um princípio imitativo ou de emulação. Feito um pregão, os pregoeiros vizinhos tenderiam a entoar no mesmo tom e empregar uma mesma entoação com similares intervalos.
Nas reflexões que se seguiram, os resultados da pesquisa dos pregões foram considerados conjuntamente com aqueles voltados a outros aspectos de estudos de sonoridades de ruas e de expressões culturais do dia-a-dia, de sinais formais e informais em público, assim como também sob o aspecto do barulho e da poluição acústica na vida urbana. Também nessas pesquisas voltou-se a atenção a aspectos étnico-culturais.
(…)