Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo
Universidade de Colonia
ANAIS BRASIL-EUROPA
ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA EM CONTEXTOS GLOBAIS
LÚDICA NA ETNOMUSICOLOGIA E NO ENSINO
FACULDADE DE MÚSICA E EDUCAÇÃO MUSICAL DO
INSTITUTO MUSICAL DE SÃO PAULO
RECAPITULANDO ESTUDO E EXPOSIÇÃO
COLÉGIO ESTADUAL MÁRIO CASASSANTA - VILA ALPINA - SÃO PAULO
REGINA LUCIA DE MELLO BELLOTI
1973
Lúdica na Pesquisa e Educação - Lúdica/Folclore Nacional/Etnomusicologia - Antecedentes - Etnomusicologia e Psicologia Educacional - Estudo de contextos: Vila Alpina - Observações e entrevistas - Homo ludens/Homo faber
Lúdica na Pesquisa e Educação Musical foi complexo temático tratado em cursos de Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo em 1973/4. A sua consideração deu continuidade a estudos anteriormente realizados, passando a ser desenvolvidos sob outras perspectivas.
A música em práticas recreativas, a folguedos, brinquedos e divertimentos foi objeto de estudos e reflexões no âmbito da formação de professores de Educação Musical em cursos de Licenciatura. Muitos professores de primeiro e segundo graus, formados em Canto Orfeônico e que em parte já atuavam como educadores, foram levados a revalidar os seus diplomas retornando aos estudos superiores. Já se tinham ocupado com recreações, divertimentos, jogos e outras atividades durante a sua formação e na prática escolar.
Recapitular o tratamento do tema em curso de formação de professores de Educação Musical e Artística na década de 1970 torna-se significativo pelo fato de que reflexões então encetadas e estudos realizados marcaram desenvolvimentos posteriores. Desde 1975 passaram a ser conduzidos em âmbito internacional em cooperações com pesquisadores de diferentes áreas de estudos a partir da Universidade de Colonia, Alemanha. Inseriram-se em projeto elaborado no Brasil voltado ao desenvolvimento de estudos culturais de condução musicológica - e reciprocamente de uma musicologia orientada culturológicamente - em contextos globais.
Esses estudos foram realizados com a participação de docentes e estudantes de Volkskunde ou Etnologia Européia, de Völkerkunde ou Etnologia, assim como de Etnomusicologia. Folguedos, danças, cortejos e outras expressões tradicionais estudadas no Brasil foram tratadas em encontros, aulas, seminários, simpósios, em apresentações de grupos comentadas e em cursos universitários. Entre estes, salientou-se aquele dedicado específicamente ao tema realizado no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia no ano 2001.
Lúdica - Folclore Nacional - Etnomusicologia
Concepções e práticas tinham sido marcadas ideais orfeônicos, em grande parte determinados por perspectivas sócio-culturais e político-culturais nacionalistas dos anos 30 e 40. Atividades lúdicas eram valorizadas por promover uma formação cultural e socialização do indivíduo em função de sua integração na coletividade nacional na sua unidade. O folclore, compreendido como Folclore Nacional, era a área que tratava de folguedos, jogos e outros divertimentos na formação de professores em Canto Orfeônico.
O Instituto Musical de São Paulo, que tinha abrigado por décadas o Conservatório Paulista de Canto Orfeônico, possuia uma longa tradição em estudos de atividades lúdicas relacionadas com o folclore aplicado. Emblemático tinha sido o auto da Barca das tradições populares que, em folguedos estudados no âmbito da Missão ao Nordeste, tinha sido empregado nas décadas de 30 e 40 em atividades culturais-recreativas em Parques Infantís de São Paulo por Martim Braunwieser (1901-1991).
Com o fim do Canto Orfeônico e a introdução da Licenciatura, introduziu-se área de Etnomusicologia, substituindo ou conduzida paralelamente àquela de Folclore. Aa concepções referentes à lúdica e ao papel que deveria exercer atividades lúdicas na prática de ensino diferenciaram-se daquelas do movimento orfeônico. Os educadores deviam receber subsídios para reconhecer valores na diversidade sócio-cultural da metrópole, marcada pela presença de imigrantes das mais diversas proveniências, assim como da influência de novos meios de comunicação.
Os estudantes eram levados a desenvolver trabalhos de pesquisa no seu próprio meio de vida e atuação. Os pressupostos culturais dos alunos, em particular daqueles filhos de migrantes, deviam ser considerados na prática educativa em situações marcadas po pluralidade cultural e complexos processos integrativos e de afirmação de raízes.
Antecedentes
Reflexões ludológicas foram encetadas em várias áreas de estudos no Brasil em anos marcados por anelos de novas orientações, perspectivas e procedimentos da década de 1960. Homo ludens - a obra básica de Johan Huizinga (1872-1945), embora publicada em fins dos anos de 1930, foi retomada e discutida nas suas relações com o de Homo faber em diferentes instituições, entre elas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
O comportamento e ação lúdica na criação e vivência de espaços estiveram no centro das atenções e incentivou a procura de novas perspectivas na análise arquitetônica, urbana e de aglomerações não regulamentadas, motivando reflexões sôbre novas possibilidades construtivas e de organização de espaços. Os estudos tomaram nesse sentido um direcionamento cultural, próprio de áreas de estudos culturais empíricos.
O debate ludológico foi conduzido com especial intensidade no Museu de Artes e Técnicas Populares da Associação Brasileira de Folclore em anos nos quais a atenção de dirigia à revisão e redefinição da pesquisa. Nos estudos de folclore, folguedos, danças e brincadeiras sempre foram objeto de estudos, existindo a respeito uma volumosa literatura. Muitos desses folguedos inseriam-se em festividades religiosas, eram marcados por uma linguagem visual que revelava sentidos intrínsecos e eram ritualizados.
O conceito condutor então desenvolvido por pesquisadores como Rossini Tavares de Lima e Julieta de Andrade como objeto da pesquisa folclórica foi de cultura espontânea em diferenciação de uma cultura erudita ou transmitida por instituições, pelo ensino em escolas e pelos meios de comunicação de massas. Nessa conceituação, o estudo do Folclore não se limitaria a contextos rurais ou pré-industriais, mas também tinha como objeto expressões culturais espontâneas, não dirigidas na metrópole. Essa orientação foi debatida em mesa-redonda de pesquisadores e divulgada a amplo círculo de leitores promovida pelo Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, em 1972.
Essa conceituação aproximava-se e ao mesmo tempo diferia daquela preconizada pelo movimento Nova Difusão e do seu Centro de Pesquisas em Musicologia. Esse movimento partiu do reconhecimento da necessidade de superação de um modo de pensar delimitado, marcado por categorizações de objetos da pesquisa, de áreas de estudos determinadas por concepções de cultura erudita, folclórica ou popular. Defendida era a orientação das atenções, análises e procedimentos a processos ultrapassadores de separações ou compartimentos na teoria e na prática. Essa orientação levava a questionamentos quanto a uma sempre considerada oposição no paralelo entre o Homo ludens e o Homo faber da tradição do pensamento ludológico.
Etnomusicologia e Psicologia Educacional
O tratamento de questões ludológicas na área da Etnomusicologia foi conduzido em diálogos com aquela da Psciologia Educacional em cursos de Educação Musical. A lúdica como estudo e prática de atividades de jogo e brincadeiras contava com uma ampla literatura nos estudos educativos. Para as formação infantil o jogar e brincar serve ao alcance de conhecimentos e ao desenvolvimento mental e psíquico. As crianças e jovens tomam consciência de si, de regras de jogo e de interações com as demais. A fantasia, imaginação e a capacidade de expressão são desenvolvidas. A formação da personalidade individual é fomentada pelo descobrimento e a experiência de possibilidades pessoais. Esse significado é reconhecido pela psicologia do aprendizado, que os estuda e transmite a educadores. As dimensões de sentidos e da importância das atividades lúdicas são porém muito mais amplas.
Estudo de contextos: Vila Alpina
A questão discutida sobre relações entre o homem que brinca e joga com o homem que constroi instrumentos e meios auxiliares para os seus fins foi abordada em projeto prático de natureza experimental desenvolvido pela estudante Regina Lucia de Mello Belloti, então já atuando no ensino no Colégio Estadual Mário Casassanta, situado no bairro de Vila Alpina.
Vila Alpina, bairro situado administrativamente no distrito de Vila Prudente, na Zona Leste de São Paulo, não distante de São Caetano do Sul, foi originada de um loteamento feito em 1921 por Vicente Giacaglini. possui, como o seu nome indica, a característica singular de relacionar-se com a Europa, mais precisamente com os Alpes. Essa denominação pode ser explicada pela lembrança da grande cadeia de montanhas no Norte da Itália, Suíça, Áustria e Alemanha dos imigrados que, de modo um tanto distante, levou a associações.
Por várias décadas foi o bairro marcado pela predominância de imigrantes europeus, entre êles muitos de língua alemã, assim como russos. Com o aumento da população proveniente de outras regiões de São Paulo e do Brasil, essas características barreais, que se manifestavam na língua, nos costumes e na vida, se diluiram. A Vila Alpina adquire nesse sentido especial interesse para estudos de mudanças culturais, integrações, assimilações, de transformações urbanas e de identidades barriais.
Observações e entrevistas
A pesquisadora, através de observações e entrevistas, estudou as brincadeiras de uso na Vila Alpina. As suas constatações permitiram o reconhecimento do papel dos jogos e divertimentos em processos culturais do bairro. Vários dos brinquedos registrados foram comentados e considerados nos seus sentidos e funções formativas e possibilidades de uso na prática educativa.
Entre êles, foram examinados os seguintes brinquedos e jogos, emprestando-se particular atenção a entoações e cantos: Passa-anel, com as suas perguntas e respostas e as fórmulas entoadas ou mesmo cantadas ao pular corda; Rei-capitão-soldado-ladrão-moço bonito do meu coração e Sol, pimenta, fogo. Sob o aspecto de relações com o espaço, considerou-se o Pulo da Amarelinha e o Caracol. Também relacionado com a experiência da ordenação de espaço foi considerado o brinquedo do Mãe da rua, no qual o grupo de meninas e meninos, nos dois lados da rua, a atravessam com um pé só. Constatado foi também a existência de expressões questionáveis sob o aspecto discriminatório e racista, como aquela pronunciada no jogo do Barra-manteiga. Considerados foram também o Mãe-da-lata com as suas batidas em lata, o Boca-de-forno e o Ana-mula.
Para os estudos mais especificamente voltados à música, os brinquedos mais significativos considerados, gravados e transcritos foram aqueles de roda. Registradas foram diferentes versões de textos e melodias de cantigas amplamente difundidas, como Ciranda, Cirandinha, Fui no Itororó, Terezinha, Pezinho, Atirei um pau no gato, A canoa, Capelinha de melão, O cravo e a rosa, Cachorrinho, Pombinha branca, Senhora Dona Sancha, Marcha soldado, Eu passei na ponte, Carneirinho Carneirão, O pastorzinho, Escravos de Jó, Espanha, Caranguejo, Seu Juca, Pirulito, A manquinha, Passarás-não passarás, Vitu(Bitu), Nesta rua, Ó pião.
Homo ludens/Homo faber
A pesquisadora emprestou particular atenção à manufatura de objetos necessários ou auxiliares para os brinquedos pelas crianças. Esses objetos foram apresentados em exposição, sendo acompanhados com comentários.
Entre esses objetos produzidos pelos próprios alunos, encontravam-se bolas de meia, utilizadas em jogo chamado de raqueta, taco ou maçaneta, jogo de prego, constituído por tabuleiro com pregos dispostos de foram a dificultar o adversário a introduzir bolinhas de gude no gol, carrinhos de rolemã feitos de tábuas de caixas, estilingues, revólver de feijão - caixas de fósforo em forma de revólver com dispositivo elástico para atirar feijões - , canudinhos de papel, bolhas de sabão produzidas em canudo soprado, cinco Marias - saquinhos de areia atirados para o alto - pipas/quadrados/raias que são empinadas, bolinhas de barro utilizadas em jogos na terra, arcos que são girados nas ruas, piões, bolinhas de gude, figurinhas utilizadas na brincadeira chamada bafo, patinetes, bonecas de pano de retalhos, bonecas de corda, animais de vegetais, feitos com batata, mamona, cenoura e outros.
Lúdica e cultura do quotidiano
Nos seus estudos de concepções, conhecimentos e sabedoria popular, a pesquisadora registrou e comentou 51 expressões de uso no linguajar diário, assim como observâncias, crendices, superstições, interpretações de tempo, animais e de sonhos.