Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo
Universidade de Colonia
ANAIS BRASIL-EUROPA
ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA EM CONTEXTOS GLOBAIS
EXPANSÃO URBANA E ETNOMUSICOLOGIA
VILA PROSPERIDADE
INSTITUTO MUSICAL DE SÃO PAULO
FACULDADE DE MÚSICA E EDUCAÇÃO MUSICAL
RECAPITULANDO TRABALHO DE
MARIA NILZA NUNES PROENÇA
1973
Expansão urbana de São Paulo - Expansão urbana e Educação Musical - Geografia urbana e estudos culturais - Expansão urbana e imigração - Expansão urbana e música - Estudo de caso: Vila Prosperidade - Aspectos dos estudos
A expansão urbana de São Paulo foi tema tratado nem cursos de Licenciatura na Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo em 1973. Foi considerado no curso Música na Evolução Urbana de São Paulo, realizado conjuntamente com a área de Etnomusicologia. Nos estudos cooperaram arquitetos formados pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/SP). A temática foi motivada pela celebração dos 50 anos do Centenário da Independência do Brasil e da Semana de Arte Moderna em 1972.
Expansão urbana e Educação Musical
O tratamento do tema foi marcado pelos objetivos dos cursos de Licenciatura em Educação Musical. Muitos dos estudantes já possuiam experiência de ensino de hanos, tendo obtido formação em Canto Orfeônico, devendo voltar aos estudos para obter a Licenciatura. O Instituto Musical de São Paulo, desde a sua fundação em 1927 voltado à formação de professores, abrigara o Conservatório Paulista de Canto Orfeônico e era estreitamente vinculado à história paulista e à consciência de paulistanidade. Vários de seus professores tinham escrito hinos dedicados à cidade e ao Estado, celebrando sobretudo a Revolução Constitucionalista de 1932.
A cultura institucional do Instituto Musical de São Paulo era marcada por rememorações e celebrações que se referiam a uma cidade que se transformara com a sua expansão. A cidade decantada em hinos e os sentimentos cultivados era fundamentalmente aquela do seu centro histórico, da cidade nova e de expansões urbanas em regiões que ainda se referenciavam com o centro.
Os educadores, que se formavam ou que já atuavam no ensino, deparavam-se com educandos em bairros distantes e periféricos, que já não mais mantinham vínculos estreitos com o centro e a estrutura urbana com êle referenciada. Tratar de forma hínica um São Paulo do passado em cantos escolares e cultivar uma Paulistanidade vinculada com imagens e monumentos de um centro longínquo na vivência e percepção desses bairros distantes e periféricosjá não surgia como adequado à realidade sócio-cultural de escolas de vilas e bairros novos ou integrados na metrópole.
O processo de expansão desencadeado nas últimas décadas do século XIX intensificara-se no século XX, alcançando desde a segunda metade desse século proporções que não permitiam que continuassem a ser ignoradas nos estudos de processos culturais. A urbanização de novas áreas, os loteamentos, a abertura de ruas, à implantação de rêdes de infraestrutura ou, de forma não dirigida e planejada, a ocupação de terrenos levaram à formação de novos bairros e aglomerações com características barriais que exigiam considerações diferenciadas. Analisar esses processos expansivos e as novas formações e transformações de bairros já existentes deles decorrentes constituiam não só uma tarefa da história urbana, mas sim também dos estudos culturais e, neles, do papel exercido pela música.
Geografia Urbana e Estudos Culturais
A problemática concernente à expansão da cidade, como refletida e considerada no âmbito de estudos de História e Geografia Urbana, assim como de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo marcou as preocupações na área de Etnomusicologia nas suas relações com a formação de educadores.
O processo de expansão urbana correspondeu em linhas gerais a desenvolvimentos concêntricos, a partir do núcleo histórico central, primeiramente com a urbanização do outro lado do Anhangabaú, confrontante ao antigo núclo, formando a cidade nova. Seguiu-se a urbanização de outras regiões, podendo-se lembrar da Avenida Paulista ou da Água Branca. Não se pode esquecer também de expansões a partir de núcleos radiais de São Paulo de antigas origens, como Santo Amaro ou Penha.
Os elos com o centro e com os antigos núcleos a êle vinculados, garantidos por vias e meios de transportes, evidenciados na rêde de linhas de bonde, mantiveram-se por várias décadas. A consideração desses bairros sob o aspecto histórico e cultural pôde assim basear-se em em estudos de fontes concernentes à formação e o desenvolvimento da cidade desde os primeiros séculos. Essa estrutura foi abalada com a abertura de novas vias que ligam bairros que historicamente pouco tinham a ver um com o outro e com a supressão de linhas de bondes que - também em sentido figurado - ofereciam trilhos para o reconhecimento e vivência de rêdes orientadas pelo antigo núcleo.
A implantação de loteamentos em regiões cada vez mais afastadas do centro e de antigos centros radiais diluiu ainda mais esses elos. Os bairros assim surgidos surgem nesse sentido quase que como separados, configurações em si, para os quais a história cultural, os monumentos, igrejas e outros referenciais do antigo núcleo permanecem distantes.
Passou-se a questionar o sentido de se tratar de desaparecidas igrejas como a antiga dos Remédios ou da Misericórdia do antigo centro em escolas desses novos bairros. Esses bairros, porém, não eram a-históricos e sem valores culturais, possuiam a sua história, em geral decorrentes de processos urbanizadores e de primórdios de loteamentos e ocupações. Estudá-los representava uma tarefa para estudos metropolitanos.
Expansão urbana e imigração
A expansão da cidade foi estreitamente relacionada com o aumento de sua população no decorrer do desenvolvimento econômico, com a vinda de habitantes de cidades do interior, e sobretudo de imigrantes de vários países do mundo à procura de melhores condições de vida, seguida da imigração interna, de outras regiões do Brasil, sobretudo do Nordeste.
Esse imigrantes estabeleceram-se primeiramente em bairros já existentes, causando crescimentos e transformações na sua composição demográfica, fisionomia e vida social e cultural. Bairros como a Bela Vista ou o Brás e Móoca passaram a ser marcados pelos imigrantes, sobretudo italianos.
As interações dos imigrantes com a sociedade dominante e os processos integrativos exigem ser considerados nas suas relações com a crescente expansão urbana da cidade. Nem todos estabeleceram-se em bairros já existentes. Alguns bairros resultaram de loteamentos estreitamente relacionados com a vinda de imigrantes de determinadas proveniências como a Chácara Flora por alemães, a Vila Maria ou a Penha por portugueses ou a Vila Alpina por italianos do Norte da Itália.
Por várias décadas foi a fisionomia e a vida social e cultural desses bairros marcada pelos seus primeiros habitantes. No decorrer do tempo, a constituição demográfica desses bairros modificou-se com a vinda de novos moradores, levando a mudanças quanto a modos de vida, ao esquecimento e obscurecimento de suas origens, com implicações para a consciêrncia de moradores e identidade barrial. Esses problemas se colocam sobretudo para educadores que procuram conduzir um ensino adequado ao meio envolvente e condicionador dos educandos.
Expansão urbana e música
Sob o ponto de vista dos estudos musicais, a temática foi debatida no Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão. Teve a sua expressão em eventos do Festival de Outono de São Paulo, realizado em vários bairros, em 1970. Em nível superior, as reflexões encetadas levaram à realização do curso de Música na Evolução Urbana de São Paulo e à orientação da Etnomusicologia a processos urbanos no sentido de uma Etnomusicologia Urbana. Os futuros educadores foram incentivados a considerar com atenção o meio em que atuavam, o meio social e cultural de proveniência dos alunos, muitos dos quais de famílias de imigrantes.
A Etnomusicologia conduzida em cursos de Licenciatura passou assim a considerar sobretudo contextos urbanos, em particular aqueles marcados por imigrantes de diferentes origens e migrantes do Nordeste do Brasil. Vários trabalhos de término de curso foram realizados por estudantes que já atuavam em escolas de bairros operários, marcados pela presença de migrantes, de vilas novas surgidas em loteamentos, de bairros periféricos ou suburbanos.
Partindo do seu meio de atuação, os estudantes deviam partir de observações e entrevistas com os seus próprios alunos, dos seus pressupostos culturais de origem e dos processos em que se inseriam nos respectivos bairros. Com a sua atuação em eventos, os educadores deviam marcar a cultura institucional de escolas e, através delas, contribuir à percepção do espaço urbano e ao fortalecimento de elos afetivos com o meio de vida de moradores.
Estudo de caso: Vila Prosperidade
Vila Prosperidade, um bairro de São Caetano do Sul, cidade e município do ABC, na esfera da irradiação metropolitana de São Paulo, foi tema de trabalho apresentado por Maria Nilza Nunes Proença como conclusão de estudos de Etnomusicologia no âmbito de cursos de Licenciatura em 1973. A pesquisa foi desenvolvida como parte de projeto mais amplo dedicado a São Caetano do Sul e outras cidades do ABC, no qual participaram outros estudantes e pesquisadores.
Esses trabalhos deram continuidade a estudos anteriores e a observações e vivências em atividade docentes na Fundação das Artes de São Caetano do Sul em 1970/71.
A Vila Prosperidade de São Caetano surge como significativa para estudos culturais de processos urbanos sob diferentes aspectos. Ela é exemplo dos muitos bairros periféricos decorrentes de loteamentos e que levaram não só à expansão de núcleos históricos de bairros e cidades, como também gradualmente à interligação e condensação de rêdes urbanas, com a ocupação e áreas livres separadoras de núcleos e bairros.
Essas vilas surgidas a partir de loteamentos colocam problemas urbanológicos, culturais e educativos sob diversos aspectos. Implantadas, não necessariamente decorrentes de desenvolvimentos de centros históricos, em geral com uma estrutura urbana própria, mais ou menos vinculada àquelas de áreas próximas e vias de interligação, apresentam também configurações demográficas icas próprias. Atraem e nelas se fixam moradores vindos de diferentes bairros e regiões, pouco ou não vinculados a centros antigos e marcados por mudanças quanto a inserções em contextos sócio-culturais.
No seu desenvolvimento, são marcadas por processos de mudanças quanto a relações bairriais com o meio ambiente. Nos seus primórdios, essas vilas se formam em terrenos ainda cobertos por vegetação que passam a ser loteados e apresentam uma aparência e qualidade de vida idílica ou de cunho rural, o que se perde com o decorrer das ocupações e construções. Expectativas de moradores que procuravam moradias em regiões mais afastadas de centros podem ser assim frustradas, visões da própria vila modificam-se com o seu crescimento, o estabelecimento de elos e rêdes sociais é marcado pelas diferentes origens e condicionamentos culturais dos moradores.
Em dependência de distâncias, vias e possibilidades de transportes com centros em cuja área esses loteamentos se inserem administrativamente, modificam-se referenciais. Centros de bairros próximos ganham em significado, passam a ser procurados para trabalho, compras e diversões, igrejas, escolas e outras instituições passam a ser frequentadas mais intensamente do que aquelas do centro histórico da metrópole. Essas vilas surgidas de loteamentos apresentam características e questionamentos diferenciados no âmbito de estudos de processos culturais de bairros, de sua imagem e de formação de uma auto-consciência e identificação de seus moradores.
Nesses estudos, a Vila Prosperidade adquire interesse já pela sua situação urbano-geográfica entre os trilhos da Estrada de Feiro Santos a Jundiaí e as áreas varzeanas do rio Tamanduateí. Trata-se de uma área de limites incertos e litigiosos entre São Caetano do Sul e Santo André, cidades que, no passado, inseriam-se no território mais abrangente de São Bernardo do Campo e que foi sugeito a desmembramentos.
Aspectos dos estudos
A história dos loteamentos da área de terras baixas cortadas pela ferrovia remontam à passagem do século XIX e XX. Na década de 1920, originou-se um loteamento de terras de José Alcântara Machado de Carvalho, de início sem aprovação quanto a seu plano, o que aconteceu apenas décadas mais tarde, em 1944. Em 1932, o empreendimento imobiliário passou a ser promovido pela Sociedade Vila Prosperidade,
Prosperidade fêz parte do distrito de São Caetano até a criação do município de Santo André em 1938, no qual se inseriu, passando a área posteriormente a São Caetano, desmembrado em 1948, para o qual realizou-se um plebiscito em 1963, o que se concretizou em 1967. O significado de Prosperidade para os estudos culturais na década de 1960 decorria não só da atualidade das tensões jurídico-administrativas e populares da anexação a São Caetano, como também pelas transformações da vila com a crescente industrialização. O caráter da vila como bairro de moradia modificava-se rapidamente com a instalação de indústrias e usinas. Questões de identificação de grupos manifestavam-se nas tensões de torcedores de times de futebol.
Sob o aspecto da cultura imaterial, os estudos partem nos seus fundamentos daqueles da histórica religiosa de toda a região e que pode-se referenciar segundo as devoções que se manifestam nas denominações de Santo André, São Caetano e São Bernardo. Sob o aspecto mais específico - e o que corresponde aos problemas que em geral decorrem de loteamentos de zonas marginais ou periféricas - a atenção se dirigiu à edificação de igrejas e à criação de estruturas paroquiais. A igreja da Prosperidade, situada na praça da Riqueza, foi um dos maiores empreendimentos religiosos da comunidade, cuja missa campal, celebrada em 1951, representou um marco na história do bairro.
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