Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo
Universidade de Colonia
ANAIS BRASIL-EUROPA
ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA EM CONTEXTOS GLOBAIS
ETNOMUSICOLOGIA URBANA
FACULDADE DE MÚSICA E EDUCAÇÃO MUSICAL DO
INSTITUTO MUSICAL DE SÃO PAULO
RECAPITULANDO PESQUISAS DE
MARIA CONSUELO BAPTISTA PENNA
1973
Cantos infantis japoneses - Educação em contextos nipônico-brasileiros -Canções infantís e lúdicas - nissei, sansei, yonsei - Etnomusicologia e Educação Musical - Perspectivas internas e externas - Estudos em visão não-êmica - Instrumentos e formação cultural - Problemas de registro e análise - Recepções da música ocidental - Aspectos das análises - Rodas cantadas e brincadeiras - Canções de ninar - Cantos infantís registrados
Cantos infantís japoneses no Brasil foi tema tratado em cursos de Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo entre 1972 e 1974. A pesquisa de cantos infantís de filhos e netos de japoneses vivendo na metrópole, em bairros da capital e de cidades vizinhas, impôs-se como necessária na formação de educadores de música por diversas razões, entre elas a do significado da presença japonesa e de seus descendentes em São Paulo, do papel da música e de seu estudo pelos próprios membros da comunidade nipônica e do grande número de estudantes de ascendência japonesa.
Recapitular os vários estudos então realizados surge como de relevância pelo fato de terem tido continuidade em âmbito internacional a partir de 1975. Foram considerados desde então por etnomusicólogos especializados na cultura musical do Japão, em particular Robert Günther (1929-2015) à frente do Departamento de Etnomusicologia da Universidade de Colonia, um dos principais centros de estudos nipônicos da Europa. Os estudos foram desenvolvidos com a participação de pesquisadores japoneses, tratados em projetos e eventos nas décadas que se seguiram. Em 2025 realizou-se viagem de observações e estudos ao Japão.
Educadores em contextos nipônico-brasileiros
O Instituto Musical de São Paulo, então localizado na rua dos Estudantes, Liberdade, situava-se em bairro marcado pela presença nipônica. Muitos dos estudantes eram de ascendência japonesa. Iam atuar, como também outros educadores que se formavam, em classes com grande porcentagem de crianças e jovens japoneses da segunda, terceira e mesmo quarta geração: nissei e sansei ou yonsei. Esses educandos estavam inseridos em diferentes fases de processos integrativos e de identificação com o Japão como país de pais e antepassados, assim como com a sociedade brasilieira.
Canções infantís e lúdica - nissei, sansei, yonsei
Canções infantís, desde o berço, assim como cantos em atividades lúdicas desempenhavam papel importante na sua formação familiar e no convívio com crianças brasileiras ainda que com diferente intensidade no decorrer das gerações. Nas escolas, se nas primeiras décadas da história de japoneses no Brasil ensinava-se a língua, cantos, expressões tradicionais e atividades recreativas do país de origem, o ensino de cantos em português, do cancioneiro infantil e escolar brasileiro passou a marcar o convívio, a socialização e a integração. Uma foto de uma das escolas de crianças de japoneses em São Paulo da década de 1920, documenta a precariedade de condições e as dificuldades dos primeiros tempos de sua aclimatação. (A. Funke, Brasilien im 20. Jahrhundert, Berlim: Reimar Hobbing 1927, 336).
Etnomusicologia e Educação Musical
A Etnomusicologia em cursos de Licenciatura tinha como escopo sensibilizar os educadores para a diversidade étnica, social e cultural de São Paulo, fornecendo subsídios para o reconhecimento de valores e a percepção de processos sócio-culturais nos quais os educandos se inseriam. A Etnomusicologia renovava concepções e práticas nos estudos músico-culturais na formação de educadores, diferenciando-se quanto a perspectivas, questionamentos e objetivos da matéria Folclore Nacional ensinado no antigo Canto Orfeônico.
Para além de conhecimentos etnomusicológicos gerais segundo o estado das pesquisas da música japonesa, esses estudantes deviam ter a percepção aguçada para reconhecer diferenças na formação dos seus alunos e nos processos culturais em que se inscreviam e que vivenciavam nas suas interações com brasileiros. Os trabalhos de pesquisa desenvolvidos pelos estudantes de Etnomusicologia deviam contribuir também a que os próprios alunos tomassem consciência de seus condicionamentos culturais, de suas expressões tradicionais e dos processos transformatórios que vivenciavam.
Pretendia-se com esse procedimento, aguçar a percepção dos educadores para diferenças, a atenção e a valorização de diversidades, e ao mesmo tempo a promover a própria consciência de sua inserção em processos culturais.
Perspectivas internas e externas
Os educadores de ascendência nipônica tinham outros pressupostos culturais e consideravam as expressões culturais de seus educandos a partir de outra posição e sob outras perspectivas do que educadores brasileiros ou de outra ascendência imigratória. Estes, desconhecendo a língua e com outra formação familiar e outras relações sociais, confrontavam-se com dificuldades para o entendimento de textos cantados e seus sentidos. Não tinham vivenciado cantos e atividades lúdicas japonesas na sua infância. Necessitavam de maior preparo, estudos da literatura e empatia. Os educadores de pais ou antepassados nipônicos, embora com as diferenças próprias e em geral alternadas quanto a identificações e sentimentos, podiam proceder por assim dizer de dentro, tratando do tema em visão êmica.
Estudos em visão não-êmica
Maria Consuelo Baptista Penna desenvolveu e apresentou, em 1973, um trabalho referente ao papel da cultura tradicional e de canções infantís na formação de descendentes de japoneses. A pesquisadora lembra que essa imigração teve início em 1908. Entre essa data e 1913 imigraram 11868 japoneses, que se dirigiram principalmente para São Paulo. Um primeiro grupo constou de 781 imigrantes. A corrente imigratória teve maior significado entre 1924 e 1933, tendo vindo ao Brasil nesse período de tempo 110191 japoneses. Os japoneses se assentaram na cidade de São Paulo, em bairros como o da Liberdade, Jabaquara, Bosque da Saúde, assim como no interior do Estado e, na Amazônia, nas proximidades de Belém e em outras localidades do Baixo Amazonas.
A pesquisadora lembra que não só em São Paulo, mas também no Norte do Brasil os japoneses desempenharam relevante papel na agricultura e na economia, sobretudo com a introdução da cultura da juta. Antes da Segunda Guerra, Belém era em grande parte abastecida com hortaliças vindas de plantações japonesas.
Instrumentos e formação cultural
Nos seus estudos, constatara uma abertura dos japoneses no Brasil para o aproveitamento de modos de vida e expressões culturais ocidentais sem prejuízo de suas características mentais, psíquicas e valores. Como amigos da música, o seu cultivo desempenharia importante papel na formação de novas gerações. Lembra, no seu trabalho, como exemplo, o papel desempenhado pelo koto na educação, em particular na formação feminina, registrando que, entre os presentes de casamento de uma jovem, raramente faltaria um desses instrumentos.
Nos seus estudos, dedicou-se em particular ao instrumentário, procurando considerar os dados da literatura compulsada nas suas observações em círculos familiares e musicais nipônicos no Brasil. Entre os instrumentos, salientou o shamisen, descrevendo formas desse instrumento constatadas no Brasil, assim com modos de tocar a partir da observação de grupos de shamisen existentes em São Paulo.
Problemas de registro e análise
Quanto ao estudo das canções japonesas, salientou no seu trabalho os problemas do idioma que se colocam a um pesquisador que não o domina. Essa deficiência prejudica a compreensão de sentidos e funções, assim como o estudo de relações entre textos e melodias, entre palavras e tons. A essas dificuldades acrescem-se aquelas da propriedade do uso de notação do sistema tonal ocidental na grafia de cantos japoneses de tradição oral, o que prejudica a precisão e fidelidade dos cantos grafados. Os vários cantos registrados pela pesquisadora apenas poderiam ser compreendidos como tentativas sumárias de sua fixação.
No seu estudo, a pesquisadora partiu de crianças de ascendência japonesa que frequentavam escolas paulistas, passando, a partir delas, a entrevistar familiares. Registrou cantos em gravações e anotou canções de rodas, brinquedos cantados, canções de ninar e cantos infantís em geral.
Recepções da música ocidental
A pesquisadora considerou a questão da influência da música ocidental assimilada pelos japoneses na educação das crianças, no Japão e no Brasil. Lembrou que a música para piano e a canção ocidental foram largamente difundidas no Japão e renomados compositores japoneses manifestaram essas interações nas suas obras, entre outros, Mitsukuri Shūkichi e Akira Ifukube. Yoritsune Matsudaira seria um dos músicos que se dedicara à harmonização de música tradicional. Vários músicos japoneses destacavam-se internacionalmente, como Mitchiko Tamayo e Toshiro Mayuzumi, sendo que várias de suas obras, apresentadas em grande parte em festivais, também eram conhecidas em São Paulo.
Aspectos das análises
Rodas cantadas e lúdica
Das rodas cantadas, a pesquisadora registrou as seguintes práticas, considerando os seus sentidos e evoluções, embora tivesse dificuldade quanto à grafia correta dos termos: Turipo, Kagomê e Nabesonaquê. A sua preocupação principal foi não só o da gravação e transcrição sumária das canções, mas sim, como educadora, a de considerar rodas cantadas e atividades recreativas em geral para a melhor compreensão de expressões de seus alunos de origem nipônica.
A sua atenção foi primeiramente marcada por um interesse pela lúdica infantil. Procurou descrever os brinquedos e considerar os sentidos das canções a partir de traduções do texto japonês, entre êles, tentou registrar os seguintes nomes: Koinobori, Tanabata sama,Ya ken pon, Okinataiko e Kakurenbo. Em alguns casos, procurou reconhecer semelhanças com brinquedos de crianças brasileiras, como no caso do Ya ken pon e do Kakurenbo, este correspondente ao esconde-esconde no Brasil.
Canções de ninar
Outro aspecto tratado disse respeito às canções de ninar. A respeito do papel que esses cantos desempenham na formação da psique, pôde contar com subsídios fornecidos pela área da Psicologia Educacional. Tratou aqui as canções de ninar Yurikabo e Komori-Uta, esta em duas versões.
Cantos infantís registrados
Entre os cantos infantís pesquisados, apesar das dificuldades decorrentes do não conhecimento do idioma, transcreveu e comentou vários nos seus sentidos, entre êles: Sakura-Sakura, Katatsumuri, Artecau, Suki, Ius Keko jake, Ouna, Omotojia, Fujiyama, Aki, Ohoshisama, Minato, Haru no Ogawa, Kisha, Hashira e, em português, Por do Sol.