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Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo

Universidade de Colonia 

ANAIS BRASIL-EUROPA

ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA EM CONTEXTOS GLOBAIS

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Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo, professor de Etnomusicologia do Instituto Musical de São Paulo de 1972 a 1979, Professor do Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, Alemanha.

CANTOS INFANTÍS JAPONESES NO BRASIL
PESQUISA E EDUCAÇÃO MUSICAL


ETNOMUSICOLOGIA URBANA

FACULDADE DE MÚSICA E EDUCAÇÃO MUSICAL DO
INSTITUTO MUSICAL DE SÃO PAULO


RECAPITULANDO PESQUISAS DE

MARIA CONSUELO BAPTISTA PENNA



1973



Escola japonesa na década de 1920 do livro Brasiolion im 20. Jahrhundert de Alfred Funke, Berlin 1922
Publicação para estudantes de Etnomusicologia do Instituto Musical de São Paulo, 1972

Cantos infantis japoneses - Educação em contextos nipônico-brasileiros -Canções infantís e lúdicas - nissei, sansei, yonsei - Etnomusicologia e Educação Musical - Perspectivas internas e externas - Estudos em visão não-êmica - Instrumentos e formação cultural - Problemas de registro e análise - Recepções da música ocidental - Aspectos das análises - Rodas cantadas e brincadeiras - Canções de ninar - Cantos infantís registrados




Cantos infantís japoneses no Brasil foi tema tratado em cursos de Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo entre 1972 e 1974. A pesquisa de cantos infantís de filhos e netos de japoneses vivendo na metrópole, em bairros da capital e de cidades vizinhas, impôs-se como necessária na formação de educadores de música por diversas razões, entre elas a do significado da presença japonesa e de seus descendentes em São Paulo, do papel da música e de seu estudo pelos próprios membros da comunidade nipônica e do grande número de estudantes de ascendência japonesa. 


Recapitular os vários estudos então realizados surge como de relevância pelo fato de terem tido continuidade em âmbito internacional a partir de 1975. Foram considerados desde então por etnomusicólogos especializados na cultura musical do Japão, em particular Robert Günther (1929-2015) à frente do Departamento de Etnomusicologia da Universidade de Colonia, um dos principais centros de estudos nipônicos da Europa. Os estudos foram desenvolvidos com a participação de pesquisadores japoneses, tratados em projetos e eventos nas décadas que se seguiram. Em 2025 realizou-se viagem de observações e estudos ao Japão.


Educadores em contextos nipônico-brasileiros


O Instituto Musical de São Paulo, então localizado na rua dos Estudantes, Liberdade, situava-se em bairro marcado pela presença nipônica. Muitos dos estudantes eram de ascendência japonesa. Iam atuar, como também outros educadores que se formavam, em classes com grande porcentagem de crianças e jovens japoneses da segunda, terceira e mesmo quarta geração: nissei e sansei ou yonsei. Esses educandos estavam inseridos em diferentes fases de processos integrativos e de identificação com o Japão como país de pais e antepassados, assim como com a sociedade brasilieira. 


Canções infantís e lúdica - nissei, sansei, yonsei


Canções infantís, desde o berço, assim como cantos em atividades lúdicas desempenhavam papel importante na sua formação familiar e no convívio com crianças brasileiras ainda que com diferente intensidade no decorrer das gerações. Nas escolas, se nas primeiras décadas da história de japoneses no Brasil ensinava-se a língua, cantos, expressões tradicionais e atividades recreativas do país de origem, o ensino de cantos em português, do cancioneiro infantil e escolar brasileiro passou a marcar o convívio, a socialização e a integração. Uma foto de uma das escolas de crianças de japoneses em São Paulo da década de 1920, documenta a precariedade de condições e as dificuldades dos primeiros tempos de sua aclimatação. (A. Funke, Brasilien im 20. Jahrhundert, Berlim: Reimar Hobbing 1927, 336). 


Etnomusicologia e Educação Musical


A Etnomusicologia em cursos de Licenciatura tinha como escopo sensibilizar os educadores para a diversidade étnica, social e cultural de São Paulo, fornecendo subsídios para o reconhecimento de valores e a percepção de processos sócio-culturais nos quais os educandos se inseriam. A Etnomusicologia renovava concepções e práticas nos estudos músico-culturais na formação de educadores, diferenciando-se quanto a perspectivas, questionamentos e objetivos da matéria Folclore Nacional ensinado no antigo Canto Orfeônico. 


Para além de conhecimentos etnomusicológicos gerais segundo o estado das pesquisas da música japonesa, esses estudantes deviam ter a percepção aguçada para reconhecer diferenças na formação dos seus alunos e nos processos culturais em que se inscreviam e que vivenciavam nas suas interações com brasileiros. Os trabalhos de pesquisa desenvolvidos pelos estudantes de Etnomusicologia deviam contribuir também a que os próprios alunos tomassem consciência de seus condicionamentos culturais, de suas expressões tradicionais e dos processos transformatórios que vivenciavam. 


Pretendia-se com esse procedimento, aguçar a percepção dos educadores para diferenças, a atenção e a valorização de diversidades, e ao mesmo tempo a promover a própria consciência de sua inserção em processos culturais. 


Perspectivas internas e externas


Os educadores de ascendência nipônica tinham outros pressupostos culturais e consideravam as expressões culturais de seus educandos a partir de outra posição e sob outras perspectivas do que educadores brasileiros ou de outra ascendência imigratória. Estes, desconhecendo a língua e com outra formação familiar e outras relações sociais, confrontavam-se com dificuldades para o entendimento de textos cantados e seus sentidos. Não tinham vivenciado cantos e atividades lúdicas japonesas na sua infância. Necessitavam de maior preparo, estudos da literatura e empatia. Os educadores de pais ou antepassados nipônicos, embora com as diferenças próprias e em geral alternadas quanto a identificações e sentimentos, podiam proceder por assim dizer de dentro, tratando do tema em visão êmica.


Estudos em visão não-êmica


Maria Consuelo Baptista Penna desenvolveu e apresentou, em 1973, um trabalho referente ao papel da cultura tradicional e de canções infantís na formação de descendentes de japoneses. A  pesquisadora lembra que essa imigração teve início em 1908.  Entre essa data e 1913 imigraram 11868 japoneses, que se dirigiram principalmente para São Paulo. Um primeiro grupo constou de 781 imigrantes. A corrente imigratória teve maior significado entre 1924 e 1933, tendo vindo ao Brasil nesse período de tempo 110191 japoneses. Os japoneses se assentaram na cidade de São Paulo, em bairros como o da Liberdade, Jabaquara, Bosque da Saúde, assim como no interior do Estado e, na Amazônia, nas proximidades de Belém e em outras localidades do Baixo Amazonas. 


A pesquisadora lembra que não só em São Paulo, mas também no Norte do Brasil os japoneses desempenharam relevante papel na agricultura e na economia, sobretudo com a introdução da cultura da juta. Antes da Segunda Guerra, Belém era em grande parte abastecida com hortaliças vindas de plantações japonesas. 


Instrumentos e formação cultural


Nos seus estudos, constatara uma abertura dos japoneses no Brasil para o aproveitamento de modos de vida e expressões culturais ocidentais sem prejuízo de suas características mentais, psíquicas e valores. Como amigos da música, o seu cultivo desempenharia importante papel na formação de novas gerações. Lembra, no seu trabalho, como exemplo, o papel desempenhado pelo koto na educação, em particular na formação feminina, registrando que, entre os presentes de casamento de uma jovem, raramente faltaria um desses instrumentos. 


Nos seus estudos, dedicou-se em particular ao instrumentário, procurando considerar os dados da literatura compulsada nas suas observações em círculos familiares e musicais nipônicos no Brasil. Entre os instrumentos, salientou o shamisen, descrevendo formas desse instrumento constatadas no Brasil, assim com modos de tocar a partir da observação de grupos de shamisen existentes em São Paulo.


Problemas de registro e análise


Quanto ao estudo das canções japonesas, salientou no seu trabalho os problemas do idioma que se colocam a um pesquisador que não o domina. Essa deficiência prejudica a compreensão de sentidos e funções, assim como o estudo de relações entre textos e melodias, entre palavras e tons. A essas dificuldades acrescem-se aquelas da propriedade do uso de notação do sistema tonal ocidental na grafia de cantos japoneses de tradição oral, o que prejudica a precisão e fidelidade dos cantos grafados. Os vários cantos registrados pela pesquisadora apenas poderiam ser compreendidos como tentativas sumárias de sua fixação.


No seu estudo, a pesquisadora partiu de crianças de ascendência japonesa que frequentavam escolas paulistas, passando, a partir delas, a entrevistar familiares. Registrou cantos em gravações e anotou canções de rodas, brinquedos cantados, canções de ninar e cantos infantís em geral. 


Recepções da música ocidental


A pesquisadora considerou a questão da influência da música ocidental assimilada pelos japoneses na educação das crianças, no Japão e no Brasil. Lembrou que a música para piano e a canção ocidental foram largamente difundidas no Japão e renomados compositores japoneses manifestaram essas interações nas suas obras, entre outros, Mitsukuri Shūkichi e Akira Ifukube. Yoritsune Matsudaira seria um dos músicos que se dedicara à harmonização de música tradicional. Vários músicos japoneses destacavam-se internacionalmente, como Mitchiko Tamayo e Toshiro Mayuzumi, sendo que várias de suas obras, apresentadas em grande parte em festivais, também eram conhecidas em São Paulo.


Aspectos das análises


Rodas cantadas e lúdica


Das rodas cantadas, a pesquisadora registrou as seguintes práticas, considerando os seus sentidos e evoluções, embora tivesse dificuldade quanto à grafia correta dos termos: Turipo, Kagomê e Nabesonaquê. A sua preocupação principal foi não só o da gravação e transcrição sumária das canções, mas sim, como educadora, a de considerar rodas cantadas e atividades recreativas em geral para a melhor compreensão de expressões de seus alunos de origem nipônica. 


A sua atenção foi primeiramente marcada por um interesse pela lúdica infantil. Procurou descrever os brinquedos e considerar os sentidos das canções a partir de traduções do texto japonês, entre êles, tentou registrar os seguintes nomes: Koinobori, Tanabata sama,Ya ken pon, Okinataiko e Kakurenbo. Em alguns casos, procurou reconhecer semelhanças com brinquedos de crianças brasileiras, como no caso do Ya ken pon e do Kakurenbo, este correspondente ao esconde-esconde no Brasil.


Canções de ninar


Outro aspecto tratado disse respeito às canções de ninar. A respeito do papel que esses cantos desempenham na formação da psique, pôde contar com subsídios fornecidos pela área da Psicologia Educacional. Tratou aqui as canções de ninar Yurikabo e Komori-Uta, esta em duas versões. 


Cantos infantís registrados


Entre os cantos infantís pesquisados, apesar das dificuldades decorrentes do não conhecimento do idioma, transcreveu e comentou vários nos seus sentidos, entre êles: Sakura-Sakura, Katatsumuri, Artecau, Suki, Ius Keko jake, Ouna, Omotojia, Fujiyama, Aki, Ohoshisama, Minato, Haru no Ogawa, Kisha, Hashira e, em português, Por do Sol.