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Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo

Universidade de Colonia 

ANAIS BRASIL-EUROPA

ESTUDOS CULTURAIS E MUSICOLOGIA EM CONTEXTOS GLOBAIS

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Vista aérea de São Paulo a partir da plataforma do Bando co Estado de São Paulo
Prof. Dr. Antonio Alexandre Bispo, professor de Etnomusicologia do Instituto Musical de São Paulo de 1972 a 1979, Professor do Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, Alemanha.

ACULTURAÇÃO ARMÊNIA EM SÃO PAULO



ETNOMUSICOLOGIA


FACULDADE DE MÚSICA E EDUCAÇÃO MUSICAL DO
INSTITUTO MUSICAL DE SÃO PAULO


PELOS 70 ANOS DE ARAMM KHACHATURIAN (1903-1978)



RECAPITULANDO ESTUDOS DE

SONIA EKIZIAN CHERKEZIAN





1973


Publicação para estudantes de Etnomusicologia do Instituto Musical de São Paulo, 1972

Aculturação armênia em São Paulo - Aculturação na Etnomusicologia -Uma pesquisa pioneira - Colonia armênia em São Paulo -Coral armênio - V. Minassian -Preservação cultural - Histórias de vida -Geração nascida no Brasil - Armênios e o ensino da música - Práticas tradicionais e cultura do quotidiano - Conjunto armênio Ararat




Aculturação Armênia em São Paulo foi tema de estudos desenvolvidos na área de Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Musical/Artística do Instituto Musical de São Paulo em 1973. Esses estudos foram motivados pela celebração dos 70 anos do compositor Aram Khachaturian (1903-1978), compositor de renome internacional, que esteve no Brasil e cujas obras eram frequentemente executadas em concertos. O Instituto Musical de São Paulo podia contar com uma história de contatos com armênios através de Martin Braunwieser (1901-1911), seu antigo diretor. Os antepassados de sua esposa Tatiana tinham vivenciado a época trágica para os armênios no Império Otomano no início do século XX, conservando documentos.


A presença de estudantes armênios em cursos de Etnomusicologia favoreceu a consideração da colonia armênia em estudos voltados a processos culturais de imigrantes, a processos integrativos, de adaptação e assimilação, a mudanças culturais, à permanência de expressões tradicionais, ao cultivo da música tradicional armênia e à adoção de tendências da música popular brasileira e internacional. Os estudos puderam contar com a experiência e a visão interna de armênios pertencentes à comunidade.  Os trabalhos realizados serviram também à tomada de consciência das próprias pesquisadores quanto a seus condicionamentos culturais.


Aculturação na Etnomusicologia


São Paulo é uma metrópole marcada pela vinda de imigrantes das mais diversas proveniências. Os estudos culturais não podem deixar de considerar essa diversidade e os processos integrativos, de adaptação, assimilação, assim como também os de afirmação de identidade e de elos com os países de origens através da conservação de modos de vida e expressões culturais. Os processos vivenciados pelos diferentes grupos, nas suas interações, marca a fisionomia, a vida social e cultural de bairros e da cidade no seu todo. Neles, a música desempenha sempre um papel relevante, muitas vezes condutor de desenvolvimentos. Correspondendo à diversidade de proveniências, épocas da vinda ao Brasil e razões que levaram à emigração, os desenvolvimentos apresentam características próprias que devem ser consideradas nos estudos imigratórios. Nesses estudos, nem todos os grupos têm recebido a mesma atenção. 


Entre aqueles imigrantes que até a década de setenta pouco tinham sido considerados nos estudos culturais, encontravam-se os armênios. A orientação segundo processos preconizada pelo movimento Nova Difusão e o seu Centro de Pesquisas em Musicologia levou ao interesse por questões concernentes a mudanças culturais nos diferentes grupos, correspondendo ao conceito de Aculturação que recebia especial atenção nos estudos sociológicos.


Em nível superior, a aculturação de grupos de imigrantes sob o aspecto da música foi tema tratado com atenção na área da Etnomusicologia então instituída em cursos de Licenciatura em Educação Musical da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo. Na formação de educadores, estes deveriam receber no âmbito da Etnomusicologia conhecimentos básicos que os colocassem em situação de reconhecer e valorizar bens culturais na diversidade da complexa sociedade metropolitana e que se refletia nas salas de aula. Através de pesquisas de campo do seu próprio meio de vida e de trabalho, os educadores deviam ter a sua sensibilidade aguçada para análises do próprio condicionamento cultural e daquele de seu meio e dos educandos. 


Uma pequisa pioneira


Entre esses trabalhos destacou-se aquele apresenta em 1973 por Sonia Ekizian Cherkezian de título A aculturação armênia em São Paulo


A pesquisadora abre o seu trabalho oferecendo um pormenorizado panorama da Armênia quanto à sua localização geográfica e os processos formativos por que passou na sua longa história. Baseando-se na vasta literatura consultada, em grande parte em língua armênia, considera a complexidade desses desenvolvimentos históricos e que levaram a diferentes migrações. Salienta que, apesar de terem perdido por várias vezes a independência como país, os armênios nunca se desprenderam de uma consciência de identidade e de sua própria cultura espiritual. Mesmo nos momentos mais graves de sua hitória, mantiveram escols, literatura, música, sendo a igreja importante depositária desse acervo cultural. Para os armênios residentes fora de sua pátria, a igreja tem assumido o papel de ser depositária de uma cultura intangível ou imaterial da Armênia. 


Observando-se a história das colonias armênias da diáspora, constatar-se-ia que esta se diferencia de várias outras colonias européias. Estas tiveram em geral causas econômicas, sendo que a dos armênios teria sido sobretudo motivadas pelo desejo de viver em condições livres e sem perseguições. Passam a viver numa pátria virtual. Em todo o mundo encontra-se uma colonia armênia ao lado de sua igreja e de sua escola. 


As últimas colonias constituídas foram as da América do Sul.  A do Brasil foi resultado dos massacres de 1915. Nesse ano, a França conquista a Cilícia e os armênios, confiando na defesa dos franceses, voltam ás suas terras. Ali, porém, continuaram os massacres e perseguições. Saem novamente e vão para o Líbano e Síria, onde ouvem comentários sobre o Brasil. 


Colonia armênia em São Paulo


A história da colonia armênia de São Paulo tem início em 1923. Ao chegarem em São Paulo, logo procuraram trabalho com a finalidade de aprendizado do idioma e integração na sociedade. Procuraram de início construir uma igreja e uma escola. Alugaram um sobrado na rua Florencio de Abreu, onde aos domingos se celebrava a missa e, nos dias de semana, funcionava uma escola. Ao redor da escola formaram-se agremiações esportivas, de escotismo e um coral. Na escola havia aulas de canto. A primeira missa celebrada deu-se no dia 20 de janeiro de 1924 pelo Pe. Gabriel Samuelian, especialmente vindo a São Paulo. 


Após várias mudanças, a igreja armênia de São Jorge foi construída em 1938 na rua Senador Queiróz por Rizkallah Tahanian. Com a desapropriação do local para o alargamento da avenida, a igreja foi demolida em 1940. Em 1948, inaugurou-se a nova igreja na Avenida Tiradentes. Atrás da igreja, construiu-se a escola e o salão o Centro Armênio


O coral armênio - V. Minassian


A música armênia em São Paulo iniciou-se através do empenho do Dr. V. Minassian. Logo após a sua chegada, em 1927, passou a dar aulas de canto na escola, formando em seguida o grupo coral mixto que participava da missa, nas festas ou em reuniões. Em 1945, reuniu os jovens já nascidos no Brasil e formou o coral que foi, até 1964, o ponto alto da cultura armênia em São Paulo.


A primeira geração de armênios nascida no Brasil conheceu a música tradicional através do coral. Depois dessa data não houve mais o cultivo da música armênia nessas dimensões em São Paulo. As músicas pesquisadas para o trabalho foram conhecidas por intermédio do coral.  Do coral sairam cantores e músicos que se destacaram na vida musical do Brasil. O coral tomou parte em programas semanais radiofônicos, em missas festivas com obras a quatro vozes, em comemorações, sendo conhecido em colonias armênias no Exterior. Por falta de material, o regente harmonizou obras tradicionais, sendo também autor de várias composições, inclusive uma ópera apresentada em São Paulo, em 1935.  


O coral apresentou-se na presença do  compositor armênio Aram Khatchadurian, na missa a quatro vozes na Igreja da Candelária no Rio de Janeiro e na Catedral de São Paulo no Congresso Eucarístico Internacional no Rio, sendo o rito armeno celebrado pelo Cardeal Grégoire-Pierre XV Agagianian ((1895-1971).Grandes festividades da colonia tinham lugar em teatros paulistanos, entre êles o Teatro Colombo e o Teatro Municipal. 


Preservação cultural


Segundo a pesquisadora, os orientais cultivam um espírito de preservação mais acentuado que os ocidentais, sendo que estes se empenham mais por mudanças e inovações. O rito armeno, no qual a música desempenha um importante papel, tem permanecido quase que inalterado durante os séculos. 


Mesmo antes do advento do Cristianismo, a música desempenhara papel significativo nos ritos. Resíduos pré-cristãos teriam sido assimilados. A pesquisa desses pré-condicionamentos culturais deveria ser tarefa de musicólogos e filólogos. Komitas Vardapet (1869-1935) procurou detectar algumas provas dessas antigas relações. A existência de escalas limitadas poderia ser um testemunho da antiguidade de determinado cantos populares. Estas se caracterizam e.o. por repetição de termos curtos, uso de rítmos livres, estilos declamatórios e formas simples. A música é a grande preservadora da armenidade.


Histórias de vida


Entre os entrevistados, a autora menciona um informante de 67 anos que, após vida como exilado em vários países, chegou a São Paulo em 1926, tendo feito parte do coral durante décadas. A música que entoou para a pesquisadora foi uma canção de ninar na qual a mãe, para o filho dormir, encute-lhe a idéia de vingança para com os turcos que assassinaram o seu pai.  


Um outra senhora, de 80 anos, tinha sido vítima das perseguições turcas, tendo sudo o seu marido massacrado. Após vida no exílio em Paris, transfere-se em 1933 para São Paulo. Dela foi possível gravar uma canção infantil que ensinava a seus alunos na cidade natal e, em São Paulo, passara a seus descendentes. 


Outra informante, de 64 anos, que chegara ao Brasil em 1933, também pertencera ao coral, proporcionou conhecimento de cantos infantís transmitidas ás novas gerações no Brasil, entre elas: Nabasdaguê, Intch cá Vorsite Lav, Mer Vafrte Casrmir Ê


Um cantor, de 68 anos, também vítima de perseguições, após ter vivido em Alepo, Istambul e Atenas, chegou ao Brasil em 1927. Embora formado em Odontologia na Universidade de São Paulo, a sua vocação era a música. Em todos os países por que passou fêz cursos de música, tendo estudado flauta, instrumentação, composição e regência em Paris. Foi organizador e regente do coral. Para a pesquisa, cantou várias músicas da sua infância na Armênia, entre outras, Yertam Tzen Dam, uma canção de amor, Sari Lantch Mahdjagal, um canto infantil, e Erzrumi Mantcherê, uma canção que ensinou sempre a seus alunos, assim como a melodia de uma dança. 


Geração nascida no Brasil


Dentre os jovens já nascidos no Brasil, a pesquisadora anotou melodias aprendidas com os pais, entre elas Djez Gnê Gochiguê, Khotchakh Oniguê. 


Uma jovem pianista, da segunda geração nascida no Brasil, formada em música e professora de canto da escola da coletividade armênia, entoou melodias que eram ensinadas em cada série dessa escola. Em comparações com as melodias cantadas pelas crianças, a pesquisadora pode notar diferenças, sobretudo com a eliminação de ornamentos. 


Uma informante, participante do coral e formada pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, transmitiu uma melodia que aprendera na escola e ensinara a seus filhos. Era dedicada a S. Msrop e S. Sahag, inventores do alfabeto armenio.  


Armênios e o ensino música


Uma outra informante, vinda de Beirute em 1935, foi desde a sua vinda organista da igreja evangélica, tendo também atuado no coral. Ensinou cantos armênios de sua terra para os seus filhos nascidos no Líbano e criados em São Paulo. O seu marido, que tinha sido diretor de um colégio em Beirute, fizera algumas versões de músicas folclóricas brasileiras para o idioma armênio. 


Uma outra jovem proveniente do Líbano e criada no Brasil, tornou-se regente, participante do coral do Teatro Municipal e professora de Educação Musical em colégio de São Paulo, tendo várias gravações cantando músicas brasileiras com versão para o armênio.


Práticas tradicionais e cultura do quotidiano


Das práticas tradicionais, a pesquisadora considerou o Hampartzum - Ascenção do Senhor. A noiva, na véspera do dia da Ascenção, colhe com uma jarra água de 7 casas simbolizando as 7 fontes que havia na Armênia. Dentro da jarra coloca-se sete tipos de flores e sete pedras, deixando-a no sereno coberta com véu durante a noite. No dia segunte, a família do noiva envia para a casa da noiva sete litros de leite para o preparo do arroz doce. Várias das melodias cantadas durante essas práticas puderam ser gravadas.


Na colonia havia uma irmandade que se reune três vezes por semana para estudos bíblicos. Essas senhoras são as que cantam nos velórios. Algumas dessas melodias foram registradas pela pesquisadora. Uma das cantoras, vinda do Líbano em 1936, cantava apenas músicas sacras e de velório. Era conhecida pelas características orientais do seu canto, com ornamentos longos e vocalizações sobre sílabas. As músicas que entoou foram aprendidas num orfanato na Armênia.


Entre outras músicas consideradas, salientou-se o Hino À Criação do Mundo trazido de igreja de Alepo e cantado em São Paulo antes do início da missa.  Outra obra examinada foi hino cantado na Quarta-Feira da Semahna Santa.


Uma informante, nascida no Egito e vinda ao Brasil em 1961, trouxe melodias armênias aprendidas no Egito e transmitidas a seus filhos em São Paulo.


Conjunto armênio Ararat


Por fim, a pesquisadora considera o conjunto armênio de música Ararat, composto de nove elementos, todos filhos de armênios. Formado em 1969, tinha como objetivo perpetuar a cultura musical armênia. Tendo iniciado com o uso de instrumentos típicos da Armênia, passaram a empregar instrumentos modernos, eletrônicos, entre eles, guitarras elétricas, órgão eletrônico, ao lado de bandolim, pandeiro e outros instrumentos, apresentando-se em festas e bailes de armênios. Os seus componentes eram universitários e jovens profissionaius, um engenheiro, dois administradores de empresas, dois professores secundários, um estudante de medicina, de letras, outro fazendo curso para vestibular. Apesar de quatro deles terem conhecimento de música, tocavam de ouvido. Um dos elementos recebe as gravações trazidas do Exterior, aprende as música e as ensina aos demais. 


Nas suas conclusões, a pesquisadora salienta que a base estrutural da música armênia não sofrera alterações. Os ornamentos prolongados já não eram mais usados. Todos os compositores, inclusive Komidas Vartabed que compilou músicas folclóricas, tinham há muito suprimido ornamentos orientais. Somente uma informante tinha aprendido a cantar de forma ornamentada, mas não passara a tradição para outros armênios. O instrumental já passara por uma ocidentalização com o uso dos instrumentos modernos. 


Em São Paulo, a música armênia teria sido ela começado e terminado com o coral. Os que aprenderam naquela época transferiram algo a seus filhos ou alunos. 


A pesquisadora gravou e transcreveu s seguintes canções: Kess qui li Janpan (Menina levada), Hamparthssun (Menina de sorte), Arguelê-Arguelê (Meu amor, meu amor), Lucin Tigar e Ambigar (Sob as nuvens da solidão). Nas suas análises procedeu a comparações e ao registro de variantes.